terça-feira, 3 de maio de 2011

odeio mentira?


"Detesto mentira!" Qual foi a última vez que você disse essa frase ou ouviu alguém dizer? Seja como for, quem disse... mentiu. Podemos até falar que odiamos a mentira, mas lançamos mão desse recurso quase sem perceber.

O professor de psicologia Robert Feldman, da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, filmou a interação entre mais de 50 pares de pessoas que acabavam de se conhecer e constatou que elas mentiam em média três vezes numa conversa de dez minutos.

Feldman, uma autoridade mundial sobre o tema e autor do livro recém-lançado no Brasil "Quem É O Mentiroso da Sua Vida? Por Que As Pessoas Mentem e Como Isso Reflete no Nosso Dia a Dia", constata que recorrer a desvios da verdade, além de ser quase uma questão cultural, é um recurso de sobrevivência social inescapável. "Em geral, mentimos para tornar as interações sociais mais fáceis e agradáveis, dizendo o que os outros querem ouvir, ou para parecermos melhores do que realmente somos"
É claro que, além das mentirinhas brancas, há aquelas contadas com dolo: são trapaças e traições para beneficiar quem conta ou prejudicar o outro, como ganhar uma confiança não merecida ou cometer uma fraude financeira. Em casos mais raros, a mania de inventar e alterar os acontecimentos pode revelar uma patologia.

É a chamada "mitomania", ou compulsão por mentir, que demanda tratamento psicológico. Uma das razões pelas quais contamos tanta mentira é que raramente nos damos mal por isso. O mentiroso tem duas vantagens: a maioria das conversas está baseada na presunção da verdade e é praticamente impossível identificar uma inverdade no ato.

porqueqe é gostoso ver reality show
sobre o BBB
Para começar, o simples fato de confinar pessoas numa casa, pendurar-lhes microfones e filmá-las enquanto se digladiam por um prêmio já é algo que modifica a realidade. E essa é uma limitação do formato, não deste ou daquele programa específico.
Para agravar ainda mais o quadro, reportagens com graus de confiabilidade variáveis sobre esses programas afirmam que muitos deles são grosseiramente manipulados, com encenações e montagens. Em inglês, cunhou-se o termo "frankenbite" para designar a edição capciosa de "reality shows" na qual os produtores juntam palavras pronunciadas em diferentes situações para forjar uma fala que corresponda à história que eles querem contar.
Há razões objetivas para o exagero. Se as pessoas quisessem realidade real, tudo o que teriam de fazer é desligar a TV. No fundo, o que elas querem é entretenimento. Mas, neste caso, por que mentir, sugerindo que esses programas trazem uma realidade que é totalmente fictícia?
A resposta está no que eu chamo de paradoxo de Mark Twain. O grande escritor americano uma vez disse que a diferença entre ficção e realidade é que a primeira precisa ser verossímil. Pois bem, paradoxalmente, quando anunciamos que uma história inventada é real, as pessoas acreditam e já não precisamos nos preocupar em buscar a verossimilhança.
O truque, como observa Feldman, foi utilizado pelos irmãos Coen na deliciosa (e surrealista) comédia "Fargo". A imprensa, é claro, foi atrás dos "fatos verídicos" que teriam inspirado o roteiro. Como não encontrou, cobrou os diretores, que admitiram ter utilizado o estratagema para ganhar um pouco mais de liberdade.
Nesse contexto, o apelo à realidade acaba sendo uma licença para exagerar, ferir as regras clássicas da narrativa e até para eximir-se de apresentar algo minimamente prestável, como frequentemente ocorre nos "reality shows".
A questão, então, passa a ser: como caímos num ardil tão bobo? Só porque alguém diz que aquilo tudo é verdade, acreditamos e passamos a nos interessar por enredos absolutamente inconsistentes que, se fossem apresentados como ficção, não seriam dignos de um instante de nossa atenção?
E a resposta de Feldman é "sim". Um dos achados mais interessantes da psicologia da mentira é que existe um mecanismo chamado viés de verdade, que nos acomete a todos. Por razões evolutivas, o padrão de nossos cérebros é aceitar como em princípio verdadeiras todas as declarações que nos chegam à cachola. Na maioria das vezes, elas são mesmo (ou a linguagem não faria muito sentido e jamais teria se desenvolvido), e o custo de duvidar de tudo o que ouvimos seria demasiado alto. Desenvolver o pensamento crítico exige treino e constante atenção. Assim, quando atuamos no piloto automático, acabamos sem nos dar conta sendo vítimas das vigarices mais primárias, como spams na internet, discursos de políticos e de religiosos e "reality shows".



QUEM É O MENTIROSO DA SUA VIDA?
Porque as pessoas mentem e como isso reflete no nosso dia a dia
  • ISBN-10: 85-352-3527-2
  • ISBN-13: 978-85-352-3527-2
  • Robert Feldman

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