segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

"A Última Estação"


 

Próximo do final de sua vida, o escritor russo Liev Tolstoi (1828-1910) renegou praticamente todo o seu trabalho e quis doar seu dinheiro para obras sociais. Pretendia deixar em seu testamento os direitos de suas obras para os pobres da Rússia, e não para os próprios filhos. Renegando suas obras-primas, "Guerra e Paz" e "Anna Karienina", ele entrou em conflito com sua mulher, Sonia, que, não sem razão, queria proteger o patrimônio da família.


Em "A Última Estação", que estreia apenas no Rio nesta sexta-feira, o diretor Michael Hoffman ("Sonho de uma Noite de Verão") narra esses momentos finais da vida do escritor pelo ponto de vista de um jovem contratado para ser secretário de Tolstoi. James McAvoy é esse rapaz, Valenti Bulgakov, que com uma combinação de inocência e curiosidade se vê no meio do embate entre Sonia (Helen Mirren) e o Chertkov (Paul Giamatti), uma espécie de discípulo e manipulador de Tolstoi (Christopher Plummer).

O roteiro, escrito pelo diretor, é baseado no romance homônimo de Jay Parini. Mantendo a essência do romance, mas baixando o tom dos personagens, Hoffman muitas vezes é reverente demais com a grandiosidade das figuras históricas que retrata - especialmente o casal Tolstoi. As interpretações de Helen e Plummer, por outro lado, tentam contornar o halo de inatingível que o filme coloca em torno dos personagens.

Não é apenas Liev que perde o juízo. Sonia também cruza a linha do bom senso tentando defender aquilo que acha certo. Ela enlouquece (ou se finge de louca para conseguir o que quer) a ponto de bater com a cabeça na parede e sair pela casa gritando. Já seu marido definha debaixo do jogo de interesses de Chertkov, enquanto Bulgakov assiste a tudo impotente.


Através do filme, conta-se muito sobre os interesses de Tolstoi e sua vontade de ajudar os camponeses, mas pouco sobre quem são essas pessoas e as razões de ele querer ajudá-las. Assim sendo, as ideias fraternais dele parecem coisa de um pré-hippie sonhador - ou, pelo visual de Plummer no filme, pode-se pensar até numa espécie de Papai Noel russo.

Em "A Última Estação", a Tolstoi são negadas dignidade e inteligência, e, acima de tudo, sua percepção do mundo. Se o verdadeiro escritor fosse tão ingênuo quanto o personagem diante da pobreza e corrupção que o cercava, ele provavelmente jamais teria escrito algo do porte de "Guerra e Paz".

Não é raro quando grandes figuras históricas se transformem em personagens de cinema um tanto desumanizados, sejam herois, mártires ou o que convier. Aqui não é muito diferente. O excesso de zelo de Hoffman por seus personagens, na maior parte do tempo, impede que ele se aprofunde nas contradições e fraquezas que sublinham a condição humana dessas pessoas.

Apesar disso, Plummer e Helen, ambos indicados ao Oscar por esse filme no ano passado, conseguem, boa parte do tempo, romper essa barreira entre o sacro e profano, o real e o idealizado. Quando ela faz malabarismos para ouvir conversas e cai, a atriz nos faz lembrar que Sonia, como todos nós, é cheia de fragilidades e comete erros - mesmo que sejam por uma boa causa. É exatamente essa contradição que, às vezes, falta ao filme.



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