domingo, 20 de dezembro de 2015

Fernando Fabbrini O nadismo e a solitude

Calma, gente: não é nudismo, com protuberâncias e membros balançando, soltos ao vento. É nadismo mesmo, do fazer nada, do “dolce far niente”. Começaram a usar com maior frequência a palavra – inventada por um nadista, com certeza – em anúncios de roteiros turísticos para um público especial: “Venham para a pousada tal, um paraíso do nadismo”. A atração de tais recantos é muito simples: trata-se da garantia de que não haverá ninguém lhe perseguindo, convidando para intensas atividades sociais e aeróbicas dentro e fora da piscina, escaladas de esfolar joelhos ou saraus de samba e hits sertanejos em torno de um teclado fanhoso. 
 
Lembro-me logo de uma rara semana de férias que passei num resort chique na Bahia, aproveitando uma promoção na baixa temporada. A paisagem era linda e o hotel deslumbrante. Tudo seria perfeito não fosse a presença dos chamados gentis anfitriões, animadores ou coisa que o valha. Desde o momento em que botei os pés no ambiente passei a ser assediado para integrar grupos de caminhada rústica, hidroginástica, arco e flecha, lições de capoeira básica, artesanato em palha, bicicletas secas e aquáticas, kitesurf, yoga sobre areia escaldante, interação com povos indígenas em risco de extinção e outras modalidades voltadas à completa exaustão do hóspede. 

Que nada: não me pegaram. Inventei um mal-estar causado pelo excesso de ostras frescas com vinho espumante e me deixaram em paz, chamando-me de “um chato” pelas costas. No segundo dia, encontrei um recanto no alto do penhasco, com gramado verdinho, espreguiçadeiras e vista para os azuis fantásticos do Atlântico e do céu nordestino. Oba! Estava salvo. Ao fechar os olhos, pensei vivenciar um pesadelo absurdo: música baiana ensurdecedora ressoou subitamente das pedras vizinhas. Valei-me Filhos de Gandhi e todas as entidades do nosso rico sincretismo religioso! Não eram pedras: eram caixas de som, disfarçadas de pedras naturais, escondidas entre arbustos. Saí correndo e consegui finalmente refugiar-me à distância, praticando o nadismo – e também o nudismo, confesso - numa praia deserta vizinha, só voltando ao hotel nos fins de tarde. 

Nada contra aqueles que gostam da eufórica movimentação lúdico-esportiva para fins de completa confraternização, entendo perfeitamente. Mas às vezes enxergo nisso uma coisa esquisita, um tipo de neura. Embalados pela correria do mundo, grande parte das pessoas são absolutamente incapazes de ficarem uma horinha sequer fazendo nada, consigo mesmas, olhando apenas a paisagem, deixando o pensamento voar com as gaivotas. E digo mais: ficar a sós, como imagino, implica ainda em preservar o silêncio, sem música, headphones, conversa fiada ou mexidas no tablet ou celular. Trata-se de uma arte que perde adeptos na proporção do crescimento da ansiedade do momento que vivemos. 

Interessante também foi descobrir, outro dia, a diferença entre solidão e solitude. A primeira é incômoda e indesejada; diz respeito à sensação de abandono, de carência de um ombro amigo, de uma namorada, de alguém para desabafar. Já a solitude – que em alguns dicionários é catalogada, injustamente, apenas como um eufemismo – é, na verdade, uma opção libertadora. Busca a solitude aquele que aprendeu a construir a sua e a valorizá-la; aquele que se sente ótimo em companhia de si mesmo e vive feliz assim – sem desmerecer ninguém. 

Resumindo: a solidão depende dos outros, a solitude é um prazer só nosso. 

Através de minhas pesquisas particulares entre amigos e colegas, notei uma curiosidade: os praticantes do nadismo são, quase sempre, também fãs da solitude. E pouco a pouco vão alcançando um grau de sofisticação nas tais práticas que acaba por conduzi-los a um jeito muito mais light de viver. Quem faz meditação sabe bem disso. Antes de qualquer conotação mística, o exercício da meditação envolve algumas premissas na contramão da loucura diária de nossas vidas: ficar parado, imóvel; em silêncio; ouvir; deixar a mente ir onde ela quiser, respirar profundo; sentir o coração batendo e a vida ali dentro, misteriosa, fora de qualquer controle de nossa parte. 
Também percebi que os amigos do nadismo e da solitude são especiais quando precisam agir e excelentes companheros para aventuras de todo tipo. Não é engraçado? Sabem valorizar um bom papo quando rola; mantêm um foco primoroso quando trabalham; são criativos, bem humorados e de bem com a vida. Tudo indica que nos seus retiros voluntários carregam as baterias e se enchem de energia para gastarem – bem - quando lhes dá na telha. 

Num livro sobre a vida de Albert Einstein, contam que o homem era considerado terrivelmente antissocial. Fingia aceitar todo tipo de convite para eventos como jantares, piqueniques, concertos e homenagens. Não aparecia em nenhum deles, sumia de vista por dias a fio. Talvez, já naquele tempo, ele fosse um precursor do nadismo e da solitude, esvaziando a cabeça de tolices e abrindo espaço para suas ideias geniais. E aquela famosa língua pra fora – desconfio – ele botava só para afastar gente chata
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