domingo, 20 de dezembro de 2015

Como a mulher que criou um tricorder pode mudar a medicina

A nova solução consiste numa plataforma portátil, do tamanho de um tablet, com um chip de diagnóstico que reconhece doenças infecciosas a partir de uma impressão digital ou de uma única gota de sangue ou saliva sem a necessidade de infra-estrutura de laboratório, profissionais de saúde, eletricidade ou água corrente.

Início dos anos 70, sul dos Estados Unidos. Brancos e negros ainda viviam em silos. Anita, com apenas 3 anos, começava a fazer história. Na pequena cidade rural de Prentiss, no Mississippi, ela foi a primeira criança, filha de pais “não brancos”, a entrar numa escola historicamente segregada.
Seus pais, que saíram da Índia em busca do sonho americano, tiveram que enfrentar preconceitos na nova terra. Anita Goel, desde cedo, teve que aprender a sobreviver eprosperar em mundos diferentes que não conversam entre si.
Mais mocinha, movida por uma enorme curiosidade e com profundos anseios espirituais, quis compreender o mundo. Quebrou os “silos” que ainda restavam dentro de si e acabou encontrando-se ao criar um profundo apreço pela natureza, pela medicina e pela física.
Ela estava convencida de que a mesma física que nos ajuda a entender o universo podia ajudar na compreensão da vida e dos sistemas vivos, resolvendo os problemas da biomedicina.
Anita queria continuar fazendo história.
Em 2004, durante a sua formação clínica no Hospital Geral de Massachusetts, como parte do Programa Harvard-MIT, recebe um convite da DARPA para participar do desenvolvimento da próxima geração de detectores de ameaças imprevistas como o antraz, o bioterrorismo, e surtos pandêmicos como a SARS. A agência americana estava convocando pessoas com forte “background” em ciência, física, medicina, e nanotecnologia, para ajudar a combater estes tipos de ameaças à segurança do país.
Anita foi lá. Após duas horas de intenso interrogatório sobre as suas ideias e sua experiência, o painel de especialistas sinaliza um financiamento para que comprove conceitualmente suas ideias. Porém, vaticinam que ela iria fracassar. Mesmo assim, estariam dispostos a apostar no que iria dar.
Anita questiona a causa do pessimismo, e escuta: “Seu projeto é bem complicado e não há dinheiro e tempo suficientes para atingir as 7 metas propostas”. Na perspectiva deles, as probabilidades estavam contra ela, porém vislumbravam o potencial da inovação de sua ideia. Deram alguns minutos para que pensasse. Era “pegar ou largar”.
Anita disse sim. Seis meses depois, ela e sua equipe conseguiram atingir as sete metas e outras duas adicionais, motivando o governo dos EUA a dobrar o financiamento. Ganharam vários prêmios: da DARPA; do Escritório de Pesquisa Científica da Força Aérea Norte-Americana; do Departamento de Energia; e da Agência de Defesa às Ameaças dos Estados Unidos.
Todos estes prêmios ajudaram no lançamento, em 2004, do Instituto de Pesquisa Nanobiosym e Incubadora, que alguns anos depois passou a se chamar Nanobiosym Diagnostics. A empresa, localizada em Cambridge, Massachusetts, desenvolveu e comercializa o Gene-Radar®, uma tecnologia que tem potencial para transformar a medicina.
Hoje, Dr. Anita Goel, MD, Ph.D., além de física e médica formada em Harvard e no MIT, CEO da Nanobiosym e empreendedora, é uma cientista de renome mundial em nanotecnologia. Ela foi eleita pela Technology Review da MIT como uma das “35 Top Inovadores em Ciência e Tecnologia do mundo” e eleita pela Scientific American como uma das “Visionárias mais influentes do mundo em Biotecnologia“. Foi também premiada com o XPrize 2013 em reconhecimento às suas contribuições pioneiras para o campo emergente da nanobiofísica e pela sua tecnologia Gene-Radar®.

Acesso ilimitado à saúde                 

Anita, nos últimos dez anos, voltou todo o seu foco para as restrições impostas pela indústria médica. Ela, por meio do seu conhecimento e integrando tecnologias, poderia contribuir para eliminá-las.
Para se ter uma ideia destas restrições, hoje, 4 bilhões de pessoas no mundo, não têm acesso aos cuidados com a saúde, mesmo os cuidados básicos. A maior parte dessas pessoas não tem acesso aos hospitais, laboratórios e consultórios médicos.
Esta situação pode ser mudada com o Gene-Radar®, o principal produto da Nanobiosym, empresa de Anita. Segundo ela, o que o Google fez para a indústria da informação e a Apple para a indústria de telecomunicações, a Nanobiosym está fazendo para os cuidados médicos. Ao descentralizar a infra-estrutura necessária para diagnosticar e controlar doenças, ela irá democratizar o acesso aos cuidados de saúde em uma escala global.
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Gene-Radar®, o principal produto da Nanobiosym, é do tamanho de um tablet.

A nova solução consiste numa plataforma portátil, do tamanho de um tablet, com um chip de diagnóstico que reconhece doenças infecciosas a partir de uma impressão digital ou de uma única gota de sangue ou saliva sem a necessidade de infra-estrutura de laboratório, profissionais de saúde, eletricidade ou água corrente.
Os médicos vão diagnosticar doenças como o Ebola antes que o paciente apresente os sintomas. É possível testar o diabetes, tuberculose, AIDS, HIV, E.Coli. Os testes que antes levavam seis meses e centenas de dólares agora irão levar apenas alguns minutos a um custo pelo menos 10 vezes mais barato do que quaisquer testes de diagnóstico comparáveis ​​no mercado hoje.
Isto tem potencial para transformar a forma como os cuidados com a saúde são realizados globalmente para as quase 4 bilhões de pessoas que hoje não têm acesso a laboratórios de diagnóstico. Além de democratizar o acesso, a tecnologia portátil coloca literalmente a saúde nas “mãos das pessoas”, para que tomem as rédeas destes cuidados.
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Ilustração de Sanjida Rashid, publicada no Bloomberg BusinessWeek. Tradução O Futuro das Coisas.

Segundo Anita, a capacidade de detectar com precisão e rapidez o Ebola e outras pandemias em um dispositivo móvel, com um baixo custo, pode reescrever completamente as regras dos diagnósticos médicos baseados em um paradigma enraizado na revolução industrial de 1700.

A tecnologia

A tecnologia por trás do Gene-Radar® parece simples, mas é complexa. A maioria dos cientistas sabe que as informações armazenadas estão na seqüência do DNA e RNA. No entanto, Anita formula a hipótese de que há informações incorporadas no ambiente molecular. Ela acredita que há uma interação entre todos os três.
Um exemplo disso seria os filhos gêmeos. Ambos têm RNA e DNA idênticos. No entanto, um tem câncer e o outro não. A melhor explicação para isso são as alterações provocadas por vários fatores ambientais que afetam o nosso DNA.
A empresa de Anita desenvolveu um método para manipular o ambiente genético, revelando assim como o ambiente desempenha um papel na doença.
A solução levou mais de 20 anos de pesquisas em nanobiofísica para viabilizar o primeiro Tricorder portátil do mundo que permite o diagnóstico em tempo real de doenças, sem a necessidade de ir até um hospital ou clínica.
Dr. Pardis Sabeti, especialista em doenças infecciosas do Instituto Broad, em Cambridge, considera que o Gene-Radar®, com a sua facilidade de uso e resultados altamente quantitativos, representa a próxima geração de diagnósticos clínicos. Surtos de Ebola, por exemplo, poderiam ser interrompidos bem antes de tornarem-se pandemias globais.

“A crise global do Ebola foi um momento de aprendizado para entender o quanto estamos todos interligados e o quão vulnerável é o nosso planeta em relação às pandemias.” Dr. Anita Goel.


Anita acredita que o compromisso de brecar o Ebola na África Ocidental representa o primeiro passo para a construção de um sistema digital democratizado de cuidados com a saúde.

Implantação em diversos países

Capacitar as pessoas para que assumam a responsabilidade por sua própria saúde começa com o acesso. Anita considera que com o Gene-Radar®, tanto os países industrializados como os países em desenvolvimento, podem se beneficiar com um maior acesso e qualidade de atendimento.
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Hospitais e clínicas em todo mundo já se inscreveram para implantar a solução, desde aldeias rurais na África e na Índia até os principais hospitais americanos.
Atualmente, o Gene-Radar® está construindo “aplicativos” para clientes em diversos países e já tocando dois estudos-piloto simultaneamente em um grande sistema hospitalar dos Estados Unidos e em Ruanda, na África.
O objetivo em Ruanda, onde 3% da população é soropositiva, é melhorar os testes básicos. Em colaboração com o Ministério da Saúde, USAID e outras agências globais de saúde do país, a Nanobiosym espera oferecer uma solução de baixo custo para aproximadamente 200 mil pessoas em Ruanda com necessidade urgente de testes de carga viral de HIV – uma demanda que a sua atual infra-estrutura laboratorial não é capaz de absorver.
Já nos Estados Unidos, o objetivo é usar o Gene-Radar® para chegar a uma solução rentável que reduza os custos ao mesmo tempo oferecendo melhor atendimento ao paciente. Isso irá impactar a forma como os americanos são diagnosticados e tratados.
Um dos pontos fortes do Gene-Radar®, é que os aplicativos por trás da plataforma sãoextremamente flexíveis, e, portanto, podem ser personalizados para as necessidades de cada um dos clientes, acomodando suas nuances, tais como quantidade de pessoas que irão fazer os testes, doenças-meta e até mesmo as localidades.

Ecossistema inteiro

Todo ano, no mundo todo, trilhões de dólares são gastos em cuidados com a saúde. Para o mundo abraçar e perceber o impacto de uma tecnologia disruptiva como o Gene-Radar®muitas mudanças e parcerias terão de ser feitas.
Devido à capacidade disruptiva em diagnósticos, a Nanobiosym não irá entrar no mercado sem dificuldades. Políticas, mudanças regulatórias e tarifárias terão que ocorrer em todo o ecossistema.
Anita acredita fortemente que tecnologias disruptivas por si só não são suficientes para conduzir a revolução global na área da saúde; é preciso todo um ecossistema de early adopters e agentes de mudança para liderar e integrar estas novas tecnologias. Para ela, a “engenharia do ecossistema” é tão importante quanto a “engenharia da Nanotecnologia”.
Anita quer impulsionar a comercialização de sua plataforma disruptiva nos mercados globais. Nesse intuito, fez parcerias público-privadas e construiu um ecossistema global de especialistas mundiais e líderes empresariais que estão junto com ela nesta missão.
Uma destas parcerias foi com a International Space Station (ISS), do Laboratório Nacional do EUA para desenvolver novos “apps” para o Gene-Radar®. Essa parceria vai ajudar a prever melhor como patógenos mortais podem sofrer mutações para tornarem-se superbactérias resistentes a medicamentos, como a MRSA. Essa capacidade de antecipar as mutações usando o Gene-Radar® levará a antibióticos de última geração, muito mais precisos para impedir a propagação destes patogénicos mais perigosos. Essa pesquisa na ISS pode revolucionar a medicina de precisão.
Além destas parcerias, Anita também formou um conselho consultivo de líderes mundiais em várias áreas que estão ajudando-a a navegar nessas águas desconhecidas. Alguns deles são Bob Langer, Professor do MIT, Paul Maritz, pioneiro em computação em nuvem, e a primeira cirurgiã e médica de Havard, Dr. Tenley Albright, bem como líderes de empresas globais como Ratan Tata da empresa indiana Tata Group, o embaixador John Palmer, John Abele da Boston Scientific e Alfred Ford, da Ford Motor Company.
Anita tem tudo para continuar fazendo história.

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