segunda-feira, 16 de novembro de 2015

'Videogame cerebral' melhora a depressão em 90% dos casos

Na prática, método pode beneficiar a aprendizagem, a atenção e a memória



Florianópolis. Longe de desdenharem a importância dos medicamentos no controle da depressão e dos transtornos mentais, psiquiatras consagrados internacionalmente caminham em novas direções para o tratamento do mal do século, maior causa de incapacitação no mundo. Essas direções se baseiam na combinação de dois fatores: diagnóstico de precisão e precoce, feito por exames avançados de imagem do comportamento cerebral, e uma intervenção médica altamente individualizada, que seria capaz de fazer retroceder alterações neurocognitivas responsáveis por inúmeros transtornos mentais.
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O professor João Marcos Teixeira é especialista em neurofeedback


O presidente eleito da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria, João Marques Teixeira, também diretor do Instituto de Neurociências do país e professor da Universidade do Porto, lidera um dos mais importantes grupos de estudos do mundo sobre o neurofeedback, um método de tratamento não medicamentoso que obteve resultados impressionantes em seus estudos. Após aplicar a tecnologia a 2.000 pessoas, ele revela que mecanismo reduziu os transtornos depressivos em 92% dos casos. Os dados preliminares do estudo “Endofenotipos Eletrofisiológicos da Depressão” foram apresentados por Teixeira em Florianópolis, no Congresso Brasileiro de Psiquiatria, mas o trabalho completo só deve ser publicado no início de 2016.
O professor é especialista no estudo das ligações entre o funcionamento do cérebro e suas relação com o comportamento. Ele explica que o neurofeedback consiste em colocar sensores no couro cabeludo do paciente, que recolhem informação relativa à atividade cerebral. Assim, são identificadas quais áreas do órgão estão funcionando de forma diferente do normal. Com base nesse mapeamento, os médicos criam um “programa de treino”, por meio de impulsos elétricos, para corrigir as alterações que trazem sofrimento ao paciente.
“Sempre que se fornece ao cérebro uma informação em tempo real sobre os seus padrões de funcionamento elétrico, torna-se possível treiná-lo para que se ajuste a um estado de maior equilíbrio, de modo a sustentar comportamentos mais adaptados e eficientes”, explica o psiquiatra português. Segundo ele, os resultados começam a aparecer após cinco sessões.

Na prática, o método pode melhorar a atenção, a aprendizagem e a memória – neste caso, torna-se um aliado importante também no tratamento do Alzheimer. Também facilita o controle do comportamento e das emoções, além de estabilizar o humor. Pesquisas recentes nos EUA também comprovaram que a técnica foi bem-sucedida contra o TDAH, o déficit de atenção.
“Não queremos dizer que o neurofeedback vai substituir o uso de medicamentos. Haverá casos em que os remédios não funcionarão, e sim o nosso método, e também o contrário. Mas nós sabemos que a eficácia do neurofeedback é superior à dos antidepressivos, calculada em cerca de 60% dos casos”, diz o professor. O neurofeedback ainda é pouco difundido no Brasil, mas já há clínicas oferecendo o tratamento. Portugal lidera os estudos na área, assim como os EUA.
A jornalista viajou a convite do XXXIII Congresso Brasileiro de Psiquiatria.
Modelo de psiquiatria precisa avançar
Florianópolis. O psiquiatra Bruce Cuthbert, diretor da agência federal norte-americana de pesquisas sobre doenças mentais (NIMH), afirma que o atual modelo de psiquiatria não consegue avançar há um bom tempo. “Nosso sistema de diagnóstico, com base em sintomas e sinais clínicos, não é mais válido. Os médicos fazem isso há 50 anos, e a depressão não diminuiu, pelo contrário”. Segundo ele, o caminho para terapias melhores começa com o diagnóstico mais preciso.

“Parece que estamos aceitando o fato de que não vamos fazer nada mais. Vamos apenas manejar o sintoma e ajudar as pessoas a conviver melhor com esse fardo. Uma redução na carga dos transtornos mentais passa por duas necessidades: melhorar o acesso aos tratamentos existentes e pesquisar intensamente para entender melhor esses transtornos”.

Segundo o especialista, nos últimos cinco anos, a indústria farmacêutica parou de investir na psiquiatria. “Nos Estados Unidos, o sistema público de saúde consegue progressos contra inúmeras doenças – o país evita 1 milhão de mortes por problemas cardíacos por ano. Porém, não estamos conseguindo gerar tratamentos efetivos contra os transtornos mentais”, disse Cuthbert.

“Avanços recentes possibilitam uma abordagem mais precisa, essa é uma tendência para o futuro, uma atenção maior no diagnóstico em vez de ir direto para o tratamento”. Segundo ele, isso permitiria uma individualização do tratamento. “Um dos seus projetos é a criação de uma rede de prevenção à psicose, um sistema integrado e multidisciplinar de saúde que possa padronizar as medidas nessa rede e as intervenções e medir os resultados da psicose inicial, com ciência e informática”.

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