sexta-feira, 15 de julho de 2011

Olhares para a obra de autoras

CARLOS ANDREI SIQUARA




Na foto ao lado, Elisa Lispector - irmã da escritora Clarice Lispector (acima) -, que também escreveu romances e contos. Sua obra literária será apresentada pela professora da USP Nádia Battella Gotlib


Uma constatação tem balizado os trabalhos da pesquisadora Constância Lima Duarte, doutora em literatura brasileira e professora da faculdade de letras da UFMG: "A história da mulher intelectual brasileira ainda está por ser escrita", afirma a coordenadora do terceiro colóquio e do primeiro Encontro Nacional Mulheres em Letras - Escritoras de Ontem e de Hoje -, realizado a partir de amanhã, na UFMG.

A partir do objetivo de levantar o papel das mulheres na literatura, a coordenadora do evento afirma ter concebido as atividades das quais participam alunos, professores e escritoras brasileiras, no evento que acontece até o próximo sábado. Centrado no estudo das obras de autoras de diferentes épocas, a ideia é lançar luz sobre nomes e pontos de vistas ainda pouco explorados pelos especialistas.

Para Constância Lima Duarte, as mesas de debate, as apresentação de pesquisas, além das palestras, propõem um convite à reflexão de temas também caros à história literária, como a construção do cânone ao longo do tempo. Por meio desse percurso de análise e observação, ela considera possível perceber melhor a participação das escritoras, levando em conta a aceitação tardia de muitas delas nesse universo.

"Esse encontro é válido porque as mulheres demoraram para entrar na literatura brasileira. Isso se deve a muitos motivos, entre eles o preconceito. Houve muita resistência de outros escritores e até da crítica literária para conceber a participação delas no âmbito literário. Ao olharmos para a nossa literatura, parece que as mulheres surgiram nos anos 1930, com Rachel de Queiroz, Cecília Meireles, mas isso não é verdade. Cem anos antes, já haviam escritoras produzindo", observa Constância Lima Duarte.

Ela frisa a importância do encontro para promover o diálogo entre os trabalhos sobre escritoras como Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Hilda Hilst, e outras contemporâneas. Ao lado das pesquisas apresentadas, estarão presentes, para um bate-papo com o público, escritoras atuais como Lia Lufty, Carola Saavedra e Cristiane Sobral.

"Através dessa aproximação podemos começar a pensar como se deu a trajetória da mulher na sociedade. Elas revelam a sua percepção de dentro dessa experiência, com um olhar agudo sobre o ambiente do entorno. O nosso interesse é destacar essa presença feminina, a visão da escritora para o seu tempo", afirma a coordenadora.
Outro ponto chave da programação serão as homenagens a Elisa Lispector (irmã de Clarice Lispector), Elizabeth Bishop e Dinah Silveira de Queiroz, cujos centenários de nascimento são comemorados neste ano.
Agenda
O quê: III Colóquio/I Encontro Nacional Mulheres em Letras
QUANDO: De amanhã a sábado
ONDE: Faculdade de Letras (av. Antônio Carlos, 6.627, Pampulha)
QUANTO:Inscrições para ouvintes até hoje a R$ 10, no endereço: (www.mulheresemletras.com.br)




Em memória da primeira romancista
Além das homenagens às escritoras Dinah Silveira de Queiroz, Elisa Lispector e Elizabeth Bishop, em razão do centenário de seus nascimentos, a brasileira Teresa Margarida da Silva Orta também será lembrada pelo seu tricentenário. Nascida em São Paulo, em 1711, a irmã do filósofo e escritor Matias Aires é considerada a primeira mulher autora de ficções no Brasil. Sob o pseudônimo de Dorotéia Engrassia Tavareda Dalmira, Teresa escreveu "Aventuras de Diófanes", em 1777. Seu nome verdadeiro só foi conhecido após o seu falecimento, em 1792, na cidade de Lisboa. 
Maria Amorim Ferrada terá um livro inédito lançado no evento

Evento destaca criações autorais pouco conhecidas
Carlos Andrei Siquara
Como nota a coordenadora Constância Lima Duarte, existem poucos congressos especificamente elaborados para pensar a produção literária realizada por mulheres. O que torna o encontro uma oportunidade para aprofundar determinados temas – alguns até polêmicos, como a ideia de uma escrita feminina –, além de apresentar novidades. Um exemplo é o lançamento do livro "Contos Antigos", de Maria Amorim Ferrara.

"Essa escritora é descoberta recente. Ela foi uma autora mineira, de Belo Horizonte, que publicou na sua época, em 1940. Teve algum destaque também como professora de música e, recentemente, a família recuperou textos inéditos que serão, agora, lançados em livro", relata Constância Lima Duarte.

Ela conta Maria Amorim Ferrara, cuja obra foi editada pela neta Ana Maria Amorim, apresenta uma posição crítica sobre as relações de gênero existente entre o homem e a mulher. "Os textos dela apresentam uma fina ironia sobre a realidade do seu tempo. Maria Amorim tinha um tom bem humorado, e nos seus contos há alguns traços de escritoras contemporâneas, nem parece com alguém que escreveu aqui há cerca de 70 anos", completa.

Além da estreia desta escritora no encontro, outra que será melhor abordada será Elisa Lispector, que em razão da maior popularidade da irmã, Clarice Lispector, ainda é pouco conhecida pelo público.

A especialista, Nádia Battella Gotlib (USP), autora de estudos e uma biografia sobre Clarice, afirma que há pontos semelhantes entre as obras das duas. Em comum, ambas produziram contos e romances e, centraram a narrativa, na maioria das vezes, em personagens mulheres.

"Ambas criam, com sutileza de detalhes, uma realidade interior das personagens, em estado de angústia e de solidão. Mas as diferenças também são muitas. Elisa registra uma face da sociedade brasileira – a da burocracia de escritórios de instituições oficiais – que Clarice não registra. Talvez pela própria experiência de Elisa como funcionária pública do Ministério do Trabalho", conta Nádia Battla Gotlib.

Ela também lembra que Elisa, ao contrário de Clarice, conta a história da família em textos com forte cunho autobiográfico. Fatos da sua infância passada na Ucrânia, a viagem de exílio para o Brasil, são narrados enquanto retrata de modo respeitoso os rituais de tradição judaica cultivados pela família.

"Num de seus textos ainda inéditos, ‘Retratos antigos’ – em processo de edição pela editora UFMG –, ela descreve, com detalhes, sobre os problemas de saúda de mãe, enquanto Clarice se refere se a algumas poucas passagens de sua infância, em primeira pessoa", diz.
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