sexta-feira, 6 de maio de 2011

"o vírus" da falta de confiança, a cultura como relacionamento...

E se Portugal tiver caído numa situação em que somos incapazes de alcançar soluções cooperativas devido à ausência de confiança? João Rodrigues

Estamos fartos de saber que vivemos num dos países com maior desigualdade de rendimentos do mundo desenvolvido. Sabemos que somos um dos países europeus onde as pessoas menos confiam umas nas outras. A confiança na capacidade das instituições também não parece ser propriamente elevada. E se isto estiver tudo ligado? E se Portugal tiver caído numa armadilha social, ou seja, numa situação em que somos incapazes de alcançar soluções cooperativas com benefícios sociais evidentes devido à ausência de confiança?

O trabalho de investigação de Bo Rothstein, cientista político sueco ligado ao interessante Quality of Government Institute, tem apontado para uma versão da armadilha social que parece aplicar-se bem a Portugal. A elevada desigualdade de rendimentos contribui para os baixos níveis de confiança social. Sem confiança é difícil forjar políticas públicas redistributivas de alcance universal, associadas a um Estado social robusto, que são precisamente a forma mais eficaz de diminuir as desigualdades e a pobreza e de alimentar a crença partilhada de que, num certo e real sentido, "estamos todos no mesmo barco". Nos países com uma variedade de capitalismo mais igualitária, a legitimidade das instituições, mercantis e não-mercantis, é maior e a corrupção é menor. 


Como sair desta armadilha social? Não é fácil. Creio que uma proposta singela, que parece ser hoje consensual entre muita gente à esquerda em Portugal, pode ajudar: eliminar progressivamente as deduções e benefícios fiscais aos produtos privados de poupança para a reforma e às despesas privadas em educação e saúde nas áreas em que haja oferta pública. Anular-se-ia o regressivo incentivo fiscal ao abandono dos serviços públicos pelos grupos mais privilegiados. Este abandono reflecte e consolida os preconceitos de classe e aumenta a resistência ao pagamento de impostos para financiar os serviços que beneficiam os "outros", os "pobres". 



Bens e serviços públicos de acesso universal e sem barreiras - nas áreas da segurança social, da educação ou da saúde -, financiados por um sistema fiscal fortemente progressivo, estão mais protegidos politicamente porque todos os grupos deles beneficiam. Instituições funcionais partilhadas por todos são uma das melhores formas de combater as desigualdades e de gerar confiança. As "elites", chamadas a dar o exemplo por António Barreto, deveriam ajudar a reforçar a provisão pública, o principal pilar de uma sociedade decente. Desconfio que, mesmo em tempo de crise, não o farão voluntariamente?


Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas

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