terça-feira, 3 de maio de 2011

Antropocentrismo, Biocentrismo e Direito dos Animais


Diariamente, milhares de animais (aqui entendidos os não-humanos) são explorados e submetidos às mais variadas formas de maus-tratos, no que apenas pode ser comparado, tanto em termos de números como de nível de crueldade, ao holocausto da segunda guerra mundial.
Os animais são utilizados para os mais variados propósitos: alimentação, vestuário, companhia, entretenimento e experimentações científicas.

Na base dessa utilização encontra-se a premissa de superioridade do homem sobre os demais seres vivos. É como se essa “posição especial” ocupada pelo homem lhe conferisse um direito, quase que natural, de dominar e explorar a natureza.

De acordo com a definição constante da Wikipédia (enciclopédia livre, cujo conteúdo é elaborado de forma cooperativa), antropocentrismo (do anthropos, "humano"; e kentron, "centro") é uma concepção que considera que a humanidade deve permanecer no centro do entendimento dos humanos, isto é, tudo no universo deve ser avaliado de acordo com a sua relação com o homem.

Essa concepção, fundada na (errônea) percepção de superioridade da humanidade, traz em si o traço da segregação, servindo de substrato à ação dominadora do homem sobre os outros seres vivos. O sistema utilitarista, que reduz a natureza a um elemento a ser usado (e abusado), se aproveita da diversidade entre as espécies para justificar, nas suas diferenças, a exploração humana sobre os outros seres.

Conforme apontado por Jonas , uma das características da ética antropocêntrica é a não-atribuição de relevância ética a tudo que atuasse em objetos não-humanos. Assim, direitos ou dignidade dos animais não poderiam sequer ser cogitados.

Nesse contexto, os animais são vistos como bens a serem explorados e como tais são considerados. Possuem relevância na medida em que representam alguma utilidade (visão utilitarista) para os homens. Não lhes é reconhecido qualquer valor intrínseco, mas puramente o valor de uso, em especial do uso econômico.

Levai nos chama a atenção para o fato de que, sob o prisma antropocêntrico, a natureza e os animais deixam de ter um valor em si, transformando-se em meros recursos ambientais. E completa:

“Tal sistema, ao desconsiderar a singularidade de cada criatura e o caráter sagrado da vida, justifica a tutela da fauna conforme a serventia que os animais possam ter.Tratados, via de regra, como mercadoria, matéria-prima ou produto de consumo, os animais – do ponto de vista jurídico – têm negada sua natural condição de seres sensíveis.”

Diante do paradigma antropocêntrico, até mesmo a proteção jurídica que é assegurada a natureza é feita com vistas ao bem-estar e sobrevivência da espécie humana. Veja-se, por exemplo, o artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece o meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida (do homem?), cabendo ao Poder Público e à coletividade preservá-lo para as presentes e futuras gerações (humanas).

Como alternativa a essa concepção antropocêntrica, encontra-se o biocentrismo (do grego bios, "vida"; e kentron, "centro"), uma concepção segundo a qual todas as formas de vida são igualmente importantes, não sendo a humanidade o centro da existência. O biocentrismo preocupa-se com a vida, em todas as formas que possa apresentar – vegetal e animal, humana e não-humana, mostrando-se conciliador, integrador e holístico por definição.

Nessa ótica, começa a surgir a noção de que a atribuição de proteção jurídica a espécies não-humanas não se deva à sua utilidade para os homens, mas sim ao reconhecimento de seu valor próprio. E, a partir dessa compreensão, pode-se inclusive defender-se a idéia não apenas de uma proteção jurídica aos animais (que apesar de válida, traz agregada a si uma conotação ainda passiva, que encerra nos animais a marca de entes protegidos), mas sim de direitos dos animais (que denota maior empoderamento dos demais seres vivos, agora como verdadeiros titulares de direitos, oponíveis aos homens).

A visão biocêntrica ainda encontra opositores no nosso sistema legal e jurídico, que possui uma marca antropocêntrica inegável. Entretanto, conforme ensina Edna Cardoso Dias , o animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Ela segue afirmando:

“Se cotejarmos os direitos de uma pessoa humana com os direitos do animal como indivíduo ou espécie, constatamos que ambos tem direito à defesa de seus direitos essenciais, tais como o direito à vida, ao livre desenvolvimento de sua espécie, da integridade de seu organismo e de seu corpo, bem como o direito ao não sofrimento. Sob o ponto de vista ético e científico fácil justificar a personalidade do animal. ”

Peter Singer, citado por Soffiati , diz que o princípio da vida é uno. Afirma: Um chimpanzé normal é pleno enquanto chimpanzé, o que o faz equivaler-se a um ser humano normal, pleno de humanidade. Se consideramos sujeitos de Direito uma criança, que ainda é um ser humano em potencial, ou um deficiente mental como um humano com limites, por que não considerar os animais também como sujeitos de Direito?

Assim, na linha do quanto defendido acima, a questão do reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos não dependeria mais da existência de leis de proteção animal, pois essas já existem. Dependeria, sim, da mudança do paradigma ético, da passagem do antropocentrismo para o biocentrismo, da valoração dos animais não mais pelo seu valor econômico ou pelo uso antrópico que deles possa ser feito, mas sim pela sua existência enquanto indivíduos. E para isso contamos com a educação ambiental, para difundir informações e disseminar a necessidade de respeitar-se a vida, onde quer que ela se manifeste.

Autora: Ariadne Mansu de Castro


Referências Bibliográficas:

JONAS, Hans. El principio de responsabilidad: Ensayo de una ética para la civilización tecnológica.Barcelona: Herder, 1995, encontrado em http://www.cenedcursos.com.br/atutor/content.php?cid=274

Levai, Laerte Fernando. Crueldade consentida – Crítica à razão antropocêntrica. Revista Brasileira de Direito Animal, vol. I, n. I. Salvador:Instituto de Abolicionismo Animal, 2006.

DIAS, Edna Cardoso. Os animais como sujeitos de direitos. Revista Brasileira de Direito Animal, vol. I, n. I. Salvador:Instituto de Abolicionismo Animal, 2006.

A natureza é sujeito de Direito? Por Arthur Soffiati *Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) encontrado em http://www.sosanimalmg.com.br/sub.asp?pag=artigos&id=39
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