domingo, 24 de outubro de 2010

A arte de contemplar

Hesicasmo, caminho de contemplação


“Senhor, ensina-nos a rezar”. Este foi o clamor dos apóstolos ao verem seu Mestre em oração. Contemplar Jesus orando ao Pai foi certamente uma visão arrebatadora para aqueles homens obrigados a conviver com uma devoção farisaica distante e de difícil compreensão. Havia em Jesus um ensinamento novo o qual estavam ansiosos por aprender. Mais do que um conteúdo e uma forma, o Senhor queria lhes indicar um caminho que lhes proporcionasse a intimidade tão desejada. Este caminho tem sido palmilhado pela Igreja nos últimos dois séculos da era cristã. São incontáveis os testemunhos dos que beberam desta fonte e saíram enriquecidos, fortalecidos, humanizados e divinizados desta experiência.

Quando falamos sobre oração, vale a pena lembrar que o cristianismo não é proprietário exclusivo da arte de rezar. Todas as tradições religiosas possuem lá seus ritos e formas, com entendimentos e finalidades que ora se complementam, ora se excluem mutuamente. Mesmo no âmbito da Igreja seria impossível listar todas as formas que se desenvolveram a partir da oração do Mestre.

A tradição monástica do Ocidente sugere que a elevação da alma ao seu Criador se dá em quatro degraus: leitura, oração, meditação e contemplação. Conhecida como Lectio Divina, propõe a leitura orante a partir das Sagradas Escrituras. Meu objetivo aqui é conversar sobre este último degrau: a contemplação. Penso que nós católicos ainda temos uma longa trajetória a percorrer nesta via. De novo estamos adentrando num universo inesgotável, tantas são as interpretações dadas à esta forma de orar. Quero me deter sobre a tradição contemplativa que nos foi legada pelos Padres do deserto, naquilo que os monges chamavam de HESICASMO. Com o decurso da história, acrescentadas pequenas diferenças, passou a ser também conhecida por oração de Jesus, oração do coração, oração centrante, entre outros.

O hesicasmo é uma das práticas contemplativas mais antigas da Igreja e remonta aos monges do Oriente: nomes como Evágrio Pôntico, Cassiano, Arsênio, São Serafim de Sarov, São João Clímaco e obras como "Relatos de um Peregrino Russo" e a "Nuvem do Não-Saber". Esta experiência espiritual tem contribuído significativamente, ao longo da história, para a construção da identidade dos indivíduos que a praticam. Paz interior, serenidade, intimidade crescente com Deus, maior conhecimento de si mesmo, maior compreensão e aceitação do próximo, são frutos que podem frequentemente ser observados pela prática da hesychia.

Mas, afinal, de que se trata? A palavra hesychia significa originalmente "descanso". Jean-Yves Leloup, citando o monge Arsênio, diz: "A última palavra dirigida (por Deus) a Arsênio é Quiesce - "tranquiliza-te!" ou "entra em repouso". (...) no Livro da Sabedoria está escrito que "Deus busca entre os homens um lugar para seu repouso". O ser humano em paz é morada de Deus. Compreende-se assim a importância da hesychia entre os antigos. (...) A fuga da agitação, o silêncio dos lábios e do coração não tinham outra finalidade senão levar a este repouso." ("Escritos sobre o Hesicasmo", Leloup, Jean-Yves, Ed. Vozes, pg. 45-46).

Percebe-se que a finalidade do hesicasmo é produzir quietude, silêncio exterior e interior. Este silêncio abrange não somente os lábios mas todas as potências do ser humano: intelectiva, emocional, mental, corporal. Desprender-se das distrações que nos afastam de nós mesmos e de Deus. Afirma Leloup: "Que devamos desprender-nos das coisas que não têm nenhuma razão de ser, porque são más em si ou espiritualmente inúteis, nada de mais compreensível. Mas por que deveríamos agir assim diante de coisas que parecem justificadas por boas razões? Neste sentido, João Clímaco dá dois motivos psicológicos. Primeiro, as preocupações chamam outras preocupações: 'Quem abre a porta às coisas razoáveis, ficará também infalivelmente embaraçado nas outras' (Escada ao Paraíso, 1109b). Além disso, a quietude interior é um estado de alma que não sofre nenhuma partilha: é total ou não existe. 'Um pelinho de nada perturba a visão ocular, e uma preocupação mínima faz desvanecer-se a hesychia (1109d). Aliás, esta quietude não é um fim em si. Se libertarmos completamente o espírito de tudo que poderia, por pouco que seja, agitá-lo, é em vista de dispô-lo para a contemplação'"(ibid, pg 49).

Abandonar até mesmo os pensamentos mais singelos e as coisas que nos são mais caras. "Mas é preciso ir mais longe ainda. Para João Clímaco, a hesychia não é apenas 'negação de preocupações razoáveis', mas também 'eliminação de pensamentos', no sentido mais amplo do termo. 'Não poderias chegar à oração pura, se estás embaraçado nas coisas materiais e inquieto com contínuas preocupações, pois a oração é eliminação de pensamentos' (De Oratione, 70, PG 79,1181)" (ibid, pg. 50). Enfim, SILÊNCIO TOTAL.


fonte: 
http://sededecontemplar.blogspot.com/2010/04/hesicasmo-caminho-de-contemplacao.html

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