sábado, 28 de agosto de 2010

A CHUVA DO VELHO TESTAMENTO


“o barulho de existir:
um cão dentro
de mim
A CHUVA DO VELHO TESTAMENTO (trechos)
        (Carlos Nejar, O chapéu das estações)


“Quis possuir a alma,
possuí-la um instante,
numa respiração
que a conjugasse
em suas potências
e fosse alma
em corpo atravessada.
Quis possuir a alma,
mas de súbito
é uma conspiração
de antigos súditos
que a obriga sucumbir.
E é luz varando luz
de inerte vinco.
Quis possuir a alma,
a rebelião mais pura
de ser Deus
no Deus que me conjura.
Quis possuir a alma
como se um arado empurrasse
na soga deste instante
o corpo amado
para o corpo amante.
Quis possuir a alma
e a vislumbrei inteira
e alheia corpo adentro
como se alguma barca
fosse somente vento”
“Fui condenado ao corpo.
Como isolar a alma,
se está morto?
Como isolar a alma
se ela é corpo
e sabe conluiar os elementos
de sua retração, seu desespero?
Mas o corpo transgride
onde fora trancado.
E é vivo o condenado,
mesmo se a alma já morreu
nos arredores.
Se o corpo não é seu,
a alma estende
a renitência a outras,
entre as formas do céu
e dos planetas.
Eu tive a rebelião
de ser um corpo.
Fui condenado a Deus,
a seu estado mais feroz,
aquele que, de amor,
as coisas tremem
e as vozes não conseguem separar.
Fui elevado ao corpo”

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