quarta-feira, 30 de junho de 2010

A Evitação do Amor, ou porque o amor é apenas pra os fortes de coração...



A Evitação do Amor

Psic. Luís Augusto Sombrio

A vida sempre se nos apresenta de uma forma rica, diversificada e por vezes surpreendente. Assim, há aqueles que preferem o inverno e aqueles que não o suportam, aguardando impacientemente o verão. "Época de andar à vontade" dizem os últimos, "estação de calor insuportável", afirmam os primeiros.
Há também aqueles que amam a vida na cidade, são urbanitas de coração. Não suportam uma semana sem shoppings centers, cinemas sofisticados e conforto. Há porém aqueles a quem a vida na cidade é um mal necessário, e mal conseguem esperar o próximo feriadão para partir em direção à praia, campo ou serra.
E há aqueles que não vivem sem um companheiro, uma mulher, um namorado, um amor. Desacompanhados, se fazem depressivos, carentes, frustrados. Em contrapartida, há aqueles que são solitários por opção, convictos que relacionamentos amorosos são sofridos, inoportunos, incomodativos.
Mas será esta última escolha, como outras, também uma questão de "gosto", ou estilo de vida?
Não, afirmaria o benfeitor espiritual, chamado simplesmente de "Guia", que tantas conferências proferiu pela médium Eva Pierrakos, sempre encerrando nelas grande sabedoria. A vivência do amor, incluindo o amor romântico (entre um ser masculino em um feminino), é o estado mais sublime, e portanto indispensável para nossa felicidade.
Assim sendo, quando evitamos o relacionamento amoroso, evitamos a seiva da vida. Disto conclui-se que tal atitude traz em si mesma algum bloqueio, medo, limitação ou mesmo uma patologia da alma.
Um excelente exemplo está no filme "Melhor Impossível" com o ator Jack Nicholson, por sinal um filme imperdível. O protagonista era um homem maduro, um escritor que vivia a sós e completamente cheio de manias, pois era um neurótico obsessivo-compulsivo. Vivia isolado, pois com suas manias qualquer relacionamento geraria muitos desgastes. Os raros contatos interpessoais que mantinha eram catastróficos: vivia em conflito com o vizinho e seu cãozinho, e freqüentemente entrava em atritos com os funcionários e demais comensais do restaurante no qual diariamente fazia suas refeições.
Porém a garçonete, personagem dramatizado pela atriz Helen Hunt, consegue romper o seu isolamento, ou as suas defesas contra o relacionamento, e o faz apaixonar-se.
Não generalizando, nele vemos o caso de muitas pessoas que se esquivam da relação amorosa, seja vivendo-a superficialmente, seja afastando-se de todo. Incluímos aqui aqueles que não se permitem apaixonar e aqueles que se detém apenas na paixão, sem viver o amor. Tais pessoas mantêm a ilusão de que os problemas são produzidos pelos outros, porque sentem-se perturbadas apenas quando estão com eles.
Um dos motivos para tal distanciamento é a ilusão de auto-perfeição gerada no isolamento, e que se desvanece nas dificuldades que se mostram no relacionamento, pois este revela nossas fragilidades e imperfeições que de outra forma se ocultam. Podemos dizer que o relacionamento ativa estas imperfeições, de forma que possam ser tornadas conscientes e trabalhadas.
A ilusão de paz interior e de unidade que provém do fato de evitar o relacionamento tem levado a conceitos de que o desenvolvimento espiritual é favorecido pelo isolamento. É um equívoco. Por certo não ignora-se o benefício de períodos de solitude, onde o silêncio de fora torna possível ouvir a voz interior. Referimos, pois, àqueles que tomam tal atitude como sistemática, tal como comentado por Allan Kardec na Lei de Sociedade, inclusa na terceira parte do Livro dos Espíritos.
No entanto quanto menos a pessoa desenvolve o contato, mais agudo se torna o anseio por ele, resultando no sofrimento da solidão e na frustração – eis que se forma então um conflito. Por um lado, há sofrimento no relacionamento, e por outro há sofrimento na solidão, mesmo que seja uma dor inconsciente.
Naturalmente estamos citando aqui aqueles que assim procedem pela dificuldade de contato, que não vivem um relacionamento porque não conseguem, pois há pessoas amáveis, embora sozinhas, que saberiam viver uma relação afetuosa, intensa, cuidadosa, caso encontrassem na Terra uma alma que lhe fosse recíproca. Vemos que há outros motivos distantes da esfera da neurose para justificar a vida ou um largo período de vida sem um cônjuge, como necessidades de vivências outras programadas de antemão pela espiritualidade maior. Por exemplo, há aqueles que não investem em uma relação conjugal por percebê-la incompatível a um trabalho assistencial, portanto o fazem por amor e por ideal. Um exemplo máximo é o de Chico Xavier, que embora não indiferente ao amor, compreendeu que seu caminho nesta encarnação era solitário. Porém, de uma forma geral, vemos como muito saudável a predisposição de qualquer ser em encontrar o amor, de forma que se algum impedimento houver, será determinado por motivos justos pelas forças divinas.
Há que se ter cuidado com os motivos que nos levam ao distanciamento do relacionamento amoroso, pois que usamos alguns que a razão aprova, mas que inconscientemente apenas encobrem os verdadeiros motivos, que são da esfera da neurose – a isto chamamos na psicologia de racionalização. Em nosso filme, o motivo real pode ser o medo inconsciente, revestido de ideais que a razão justifica. Não seria preciso dizer que a conseqüência desta atitude será a frustração e uma espécie de vazio interior. Para exemplificar, se for um médium espírita, a pessoa pode justificar que a evitação de uma relação se deva à sua missão – mas será este o verdadeiro motivo? Não estará encobrindo outras razões inconscientes? Cabe a cada um refletir.

O Medo de Eros no Filme

Faça-se aqui um parêntesis, para diferenciarmos paixão de amor. A paixão é um estado abrasador, surpreendente, que nos toma de inopino como a flechada invisível do cupido. É fugaz, e desvanece-se para mais adiante nos surpreender novamente, ou nos conduz com a mão aos portais do amor, onde consolida-se a união de duas almas. Não há quem, tendo passado pela adolescência, não conheça a paixão. É gerada por uma força psíquica a que chamaremos de Eros, o deus grego do amor, o nosso Cupido.
No caso do filme, o escritor evitava todo contato, pelo medo de apaixonar-se. Em pequeno detalhe do filme, ele relata de um grave sofrimento que sofreu pela educação paterna, por certo lhe insuflando na alma dilacerações e tormentos rigidamente reprimidos.
Dizia então o Guia que "as pessoas que têm medo de suas emoções e da vida farão tudo para evitar subconscientemente a unidade com outro ser", visto que, acrescentamos, a união amorosa lhes convidam a compartilhar daquilo que tanto temem: seus sentimentos. Ainda assim, embora este medo exista, poucos há que não deixem uma brecha para a Paixão se apresentar, como foi o caso do filme.
Este medo pode ter muitas origens, entre estas porque numa vida anterior tiveram uma experiência amorosa infeliz (quem sabe um desfecho trágico, uma grande frustração, uma traição), ou talvez porque a alma abusou sofregamente da beleza da força erótica sem edificá-la na direção do amor, e ao reencarnar decidiu ser mais cuidadosa, o que se tornou equivocadamente um exagero.

O Medo do Amor – Don Juan

Mas teríamos outro exemplo a citar. Trata-se de Don Juan, bem ilustrado no filme "Don Juan DeMarco" - o encantador sedutor que vivia paixões intempestivas para jamais consolidar o amor. Note-se que ele não era apenas fervoroso por sexo – ele vivia a paixão, sempre muito fugaz em sua vida, pois que itinerava entre uma e outra nova conquista.
Existem pessoas que tem medo não da Paixão, ou da Força Eros, mas do Amor. Assim, para estes, a beleza de Eros os leva a procurá-lo com voracidade. Buscam um objeto de experiência após o outro, emocionalmente ignorantes demais para compreender o significado profundo deste movimento que começa pela paixão e se eterniza no amor. A paixão, visto ser uma pequena amostra do mais pura amor, deste estado celestial que procuramos, é procurada renovadamente, mas sem a capacidade pessoal de convertê-la em verdadeiro amor. Elas não têm vontade de aprender o amor puro.
Assim como comprometimentos de outras vidas, podem haver processos atuais vários, como por exemplo o amor edípico, onde uma espécie de compromisso amoroso inconsciente se organiza com o genitor de sexo oposto, e qualquer outro compromisso mais sério com o amor traduz-se por um sentimento de traição.
Veja-se que o personagem encenado por Nicholson não se permitia viver nem mesmo a paixão, talvez por medo. Don Juan ia um pouco além, mas nem tanto, pois se permitia, na verdade se extasiava em sucessivas paixões, mas também evitava o amor.


É possível, pois, "medir a realização pessoal de uma pessoa pelo grau de profundidade do relacionamento e do contato íntimo, pela força dos sentimentos que a pessoa se permite experimentar e pela disposição de dar e receber". O relacionamento com os outros é um espelho do próprio estado pessoal.
Evitar, temer, limitar, bloquear o amor é gerar sofrimento, é paralisar espiritualmente, é manter-se em um estado de separatividade com a vida e com o criador, é ressecar a fonte do líquido precioso da vida. Há que se viver com alma, e para nutri-la, somente o amor.

Bibliografia: Eva Pierrakos – "O Caminho da Autotransformação" – Editora Cultrix


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