terça-feira, 17 de março de 2009

o amor na antiga Grécia e outras histórias

por Paulo Ghiraldelli Jr.
em 31 janeiro 2009 às 2:00

Seios fartos, bons quadris e maturidade atraem os homens. Há beleza e sensualidade na mulher com esses predicados. Todavia, seios diminutos, corpo fino e ar exageradamente juvenil também atraem os homens. Há beleza e sensualidade na mulher caracterizada por esses atributos. No segundo caso, a semelhança entre a moça e o efebo, o jovem grego que era objetivo de desejo de homens maduros e mais sábios, é notável. E é a partir dessa semelhança que se pode costurar a linha que liga nossa sensualidade moderna com a sensualidade da Grécia clássica, a fim de construirmos modos de entendimento do amor sexual de filósofos como Platão.


Platão dizia que o efebo, sem pêlos e ainda desprovido de cheiro masculino, era o que havia de melhor recomendado para o amor do homem maduro. Os gregos cultos que tinham essa preferência não se locomoviam no amor sem regras cuidadosas. No caso, a regra da penetração anal era relativamente bem observada. O homem maduro que penetra o efebo deve ter o cuidado de não fazer dessa atividade uma prática de submissão que termine por quebrar a determinação do jovem. Ou seja, o sexo é claramente visto como uma relação de prazer que não pode ser outra coisa que não uma relação de poder. Então, se assim é, o melhor que temos de fazer é fazer bem. O amor do homem maduro com o efebo deve ser um elemento de crescimento para ambos, e de benefício social e político para a cidade. Deve ser o compartilhar da beleza, do companheirismo, da ampliação da capacidade de amar e, ao mesmo tempo, não pode ser um fator capaz de tornar o cidadão ateniense uma pessoa que se dobra facilmente.

O ato de penetração é corporalmente um ato de dominação física. As mulheres americanas que após os anos 60 quiserem fazer sexo “por cima”, assim agira para tentar reverter a ligação do sexo com o poder. Mas isso foi em vão. No mundo todo a tendência do coito “de quatro” voltou a ser moda. E mesmo nos Estados Unidos essas coisas estão se alterando, estão se “latinizando”. Os gregos sabiam bem de que essa posição era mais atraente, anatomicamente mais condizente com nossa ancestralidade animal e, portanto, biomecanicamente mais fácil. Sabiam também que isso era fator de ampliação da simbologia do domínio, e então, cuidavam para que a penetração não viesse a ser fator de desmoralização do penetrado. A grande arte do homem mais velho ao penetrar o efebo era que isso fosse um momento de prazer a dois, mas que não viesse a alimentar uma inferioridade futura por parte do mais jovem. Em qualquer cidade grega, democrata ou aristocrática, mais ou menos militarizada, essas regras se fizeram sentir, especialmente entre os mais cultos. Mas, é claro, a relação do efebo com o homem mais velho foi uma prática característica de Atenas, e bastante comum no meio filosófico.

Vários filósofos que tiveram amantes homens e amantes mulheres sabiam disso. É difícil atribuir a Platão algum gosto por mulher. Platão deixou registros de uma preferência exclusiva por homens e, e´claro, jovens. E ele sabia bem dessa pedagogia da penetração.

Toda essa discussão pode parecer esdrúxula para os que não possuem ouvidos para entender o que estou dizendo. Mas, para os que conseguem compreender o que estou dizendo, todo o segredo da filosofia grega pode ser revelado a partir da atenção que dermos para a penetração grega.

O que estou tentando dizer é que toda a filosofia grega, como sua pedagogia, caminha no fio da navalha. Trata-se de uma arte da sutileza. Como ser penetrado todos os dias e, ao mesmo tempo, não dobrar a coluna metaforicamente após tê-la dobrado fisicamente? Ora, se o grego não sentisse que o coito anal era um ato de poder, tudo seria fácil. Mas, uma vez que os registros mostram que ele tomava a penetração como ato de poder, e que fez uma regra para cuidar disso, então as coisas devem ser tomadas a sério. Pois o que houve para que pudessem conviver assim foi só uma coisa: eles realmente caminharam no sentido de uma espetacular capacidade de harmonizar ações. Em outras palavras: amar demanda saber usar do corpo de uma forma especial, requer um cuidado com os sentidos para si e para o parceiro. Sendo assim, só pode amar sexualmente sem corromper o outro quando se é educado corporalmente. O domínio que não humilha ainda que seja efetivamente domínio está estampado na arte da penetração grega.

Essa mesma regra ou, melhor dizendo, essa arte, vale para a filosofia grega. Nós modernos fazemos filosofia de qualquer jeito. Até por uma razão simples: somos burgueses, mal educados, grosseiros. Somos operários da filosofia, não propriamente amigos do saber. Vamos para a universidade e vomitamos discursos que não seguimos. O grego filósofo não. Ele precisa ter cuidado. Cuidado, uma palavra que tem a ver com outra: cultivo; cultivo de cultivar. Culto: o culto da planta, o culto aos deuses, o homem culto. Tudo tem de ser feito com cuidado. Pois não se trata de atos bárbaros. O que está em questão é a delicadeza, a capacidade de penetrar sem humilhar, sem tornar o outro um servo. Cada homem mais velho que tem um efebo de amante precisa aprender essa difícil e sofisticada lição do mesmo modo que aprende que a filosofia é também doutrina prática e não só investigação teórica. O filósofo vive sua filosofia. É sofisticado por causa disso, porque toma sua filosofia como forma de educação, e não pode se desviar dela. A mesma perícia de penetrar e dominar sem humilhar aparece na habilidade de antes viver a filosofia do que berrá-la na frente de quadros negros ou coisas similares. Os gregos foram antes de tudo, sofisticados. É isso que é difícil de compreender, pois nós há muito perdemos a nobreza de comportamento. Nossa filosofia é burguesa, quase operária.

Todos os problemas de filosofia que vieram da Grécia antiga exigem o mesmo cuidado que a regra da boa penetração grega exigia. Por isso, não raro, sofremos para entender alguns problemas simples da filosofia grega. Não é pela dificuldade do idioma que temos poucos especialistas em filosofia antiga. É porque a filosofia antiga exige sofisticação nobre de comportamento. É possível ensinar filosofia moderna ou contemporânea. Mas como ensinar filosofia antiga? Filosofia antiga é algo que nos chama para viver. Mas nós, aburguesados, sem modos, somos capazes de exercer a filosofia que exige sofisticação integral? Não! Nós fazemos amor como javalis, não como porcos. Fazemos sexo de um modo que é o modo como fazemos filosofia, um modo meio que do “filisteu da cultura”. Não sabemos penetrar. Falta-nos a capacidade da sutileza.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo.
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